terça-feira, 16 de agosto de 2011

Uma Parábola do Calvinismo







Brenda B. Colijn



Uma das questões levantadas pelo atual debate sobre a abertura de Deus é que tipo de Deus é exigido pelas diferentes teologias envolvidas no debate. Por exemplo, o teólogo reformado Bruce Ware descreveu o Deus do teísmo aberto como um “Deus limitado, passivo, excessivamente preocupado.”[1] O teísta aberto Clark Pinnock cita a descrição de Walter Kasper do Deus do teísmo clássico como “um ser narcisista solitário, que sofre de sua própria plenitude.”[2] No mínimo, o teísmo aberto forçou os evangélicos a reexaminarem seu entendimento da natureza e caráter de Deus.



Eu abordo a doutrina de Deus de uma perspectiva anabatista, que tecnicamente não é arminiana (visto que o Anabatismo antecede a controvérsia arminiana dentro da tradição reformada), mas decididamente é não-calvinista. De uma perspectiva anabatista, o Deus da teologia reformada sofre de limitações significativas, embora essas limitações se aplicam ao seu caráter antes que ao seu conhecimento. Ainda que alguém concorde com os calvinistas (como muitos anabatistas e arminianos concordariam) que Deus tenha pré-conhecimento preciso exaustivo, o entendimento calvinista da salvação tem implicações significativas para o caráter de Deus que não são frequentemente expostas. Deixe-me ilustrar isto com uma parábola.



O reino de Deus é como um cruzeiro que parte para uma longa viagem. O capitão do navio ouve por acaso que seus passageiros planejam nadar ao lado do navio. Ele anuncia a todos os passageiros, alertando-os contra tal atitude. Se eles pularem do navio, serão incapazes de subir de volta, visto que o casco é íngreme demais e não há escadas que dão acesso. O navio está centenas de milhas da terra firme, então eles não serão capazes de nadar até a costa. As águas circunjacentes estão infestadas de tubarões. Todavia, apesar das advertências do capitão, todos os passageiros se jogam ao mar para nadar. Não demora muito para estarem com sérios problemas.



Vendo sua angústia, o capitão transmite uma mensagem a todos eles. Ele diz que pode resgatá-los todos; para serem resgatados, tudo que eles precisam fazer é agarrar um salva-vidas que ele irá lançar-lhes. Então ele tira alguns salva-vidas e instrui sua tripulação a lançá-los a certos passageiros que ele escolheu. Para os outros passageiros, ele não faz nada. Ele continua a difundir sua mensagem que ele precisam apenas agarrar o salva-vidas a fim de serem resgatados. Algumas das pessoas com salva-vidas lhes imploram para ajudar os passageiros que estão se afogando. O capitão os ignora. Com sua mensagem de resgate ainda soando na água, ele assiste ao restante dos passageiros morrerem. Quando questionado por que ele não resgatou os outros, ele diz que todos eles mereciam morrer, e eles deviam ser gratos por ter escolhido salvar alguns deles.



O que pensaríamos de um capitão que fizesse estas coisas? Esta é uma parábola do Calvinismo, e o capitão do cruzeiro é o Deus calvinista. Todos os cristãos ortodoxos creem que os seres humanos estão em perigo de morte eterna por causa do pecado, e sua única esperança é ser resgatado por Deus. Deus provê este resgate através da obra de Cristo (a expiação). Ninguém pode ser resgatado a menos que Deus tome a iniciativa, lhes estenda a mão com a oferta de resgate, e o capacite a recebê-la.



Mas os calvinistas e os não-calvinistas diferem em seu entendimento das intenções e ações de Deus a respeito do resgate. Os anabatistas e os arminianos creem que Deus deseja resgatar todos, convida todos a serem resgatados, e capacita todos que ouvirem o convite para responder. As pessoas podem aceitar ou rejeitar o convite. Os calvinistas, entretanto, creem que Deus estende dois convites diferentes – um “chamado geral” que convida todos a serem resgatados (ao qual as pessoas são impotentes a responder) e um chamado “especial” ou “eficaz” dirigido a certos indivíduos (que os capacita a responder e assegura esta resposta). Ele então condena todos aqueles a quem ele não deu o chamado eficaz. As orações do povo de Deus não tem nenhum efeito sobre este plano que Deus estabeleceu desde a eternidade.[3] O “chamado geral” para responder ao evangelho não é tecnicamente uma mentira, visto que aquele que responde é salvo.[4] Entretanto, ele é certamente enganoso, porque ele retém informações críticas e ilude as pessoas sobre as reais intenções de Deus.[5] Ele implica que todos podem responder, quando de fato eles não podem. Ele também implica que Deus quer que todos sejam resgatados, quando de fato ele quer que muitos deles morram.[6] A distinção entre o chamado geral e o especial, eficaz, significa que os calvinistas devem pressupor uma vontade secreta de Deus que está em desacordo com a vontade revelada de Deus no evangelho.[7]



É claro, há diferentes versões do Calvinismo que exigiriam versões levemente diferentes da parábola. Na versão supralapsária da parábola, o capitão planeja o cruzeiro a fim de precisamente trazer o cenário do afogamento. De fato, ele seleciona a maioria das pessoas para a lista de passageiros porque ele quer matá-las. Na versão infralapsária, o capitão fica sabendo dos planos dos passageiros após ele ter agendado o cruzeiro. Conhecendo seus planos, ele leva somente salva-vidas suficientes para aqueles indivíduos que ele decidiu salvar. Na versão sublapsária, o capitão leva salva-vidas suficientes para todos os passageiros, mas planeja não usar a maioria deles.[8]



Até aqui, a parábola assumiu que os passageiros acabaram na água por causa de suas próprias escolhas livres. Entretanto, se a visão calvinista da soberania controladora exaustiva de Deus está correta – isto é, se Calvino está certo que Deus causa todas as coisas[9] – então o próprio capitão do cruzeiro na verdade lança seus passageiros na água e abastece as águas com tubarões.[10]



Além disso, de acordo com a própria perspectiva de Calvino, o capitão intencionalmente dá a alguns dos passageiros que se afogam salva-vidas defeituosos. Eles se agarram a eles agradecidamente, achando que estão seguros, somente para descobrir que após um tempo os salva-vidas se desinflam e eles se afogam. Conforme uma passagem nas Institutas de Calvino, alguns dos reprovados experimentam uma “operação inferior do Espírito” pela qual Deus lhes concede uma percepção de sua bondade e favor e até mesmo lhes dá o dom da reconciliação, para que possam pensar estar entre os eleitos. Mas Deus nunca os regenera. Após um tempo ele se afasta deles, permite que a luz de sua graça seja extinta, e os condena. Deus faz isto “para torná-los mais culpados e inexcusáveis.”[11] Wesley apelidou esta noção de “graça condenatória,” uma vez que a intenção de Deus ao conferir bênçãos sobre os reprovados é aumentar a sua condenação.[12]



Pode ser objetado que a parábola do cruzeiro faz os passageiros parecerem inocentes demais. Afinal, os seres humanos estão em rebelião contra Deus e são inimigos de Deus. Assim, vamos mudar a parábola....



Dois países estão em guerra um com o outro. O capitão de um destróier fica patrulhando uma área do oceano onde ele sabe que um submarino inimigo foi avistado. Ele sabe que este submarino destruiria seu navio caso fosse dado chance. Entretanto, ele surpreende a tripulação do submarino inimigo na água no meio dos destroços de sua embarcação, que foi destruída por sua própria incompetência. O capitão tem seus inimigos em seu poder. Embora tenha tempo e recursos para salvá-los todos, ele diz à sua tripulação para separar alguns deles da água, e ele asssiste ao afogamento do restante. O que pensaríamos de um capitão que fizesse isto? Sob os termos da Convenção de Genebra, ele poderia ser julgado como um criminoso de guerra.



Teólogos reformados geralmente dirão que não podemos julgar o comportamento de Deus por nossas próprias ideias de certo e errado.[13] A vontade de Deus determina o que é bom, assim o que quer que ele faz ou comanda é bom por definição.[14] Visto que Deus é o soberano do universo, ninguém pode chamá-lo a prestar contas.[15] Seus caminhos, afinal de contas, não são nossos caminhos (Is 55.8, 9). O barro não tem direito de questionar o oleiro (Rm 9.20).



Entretanto, a Escritura não deixou esta avenida aberta para nós. Somos repetidas vezes chamados a moldar nossa ética pelo caráter e comportamento de Deus, especialmente conforme exemplificado em Jesus Cristo. “Sejais santos, porque eu sou santo” (Lv 11.45). “Vede o que fazeis; porque não julgais da parte do homem, senão da parte do SENHOR, e ele está convosco quando julgardes. Agora, pois, seja o temor do SENHOR convosco; guardai-o, e fazei-o; porque não há no SENHOR nosso Deus iniquidade nem acepção de pessoas, nem aceitação de suborno” (2Cr 19.6, 7). “Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5.48). “Amai, pois, a vossos inimigos, e fazei bem, e emprestai, sem nada esperardes, e será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo; porque ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede, pois, misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso” (Lc 6.35, 36). “Como eu vos amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis” (Jo 13.34). “Sede meus imitadores, como também eu de Cristo” (1Co 11.1). “Toda a amargura, e ira, e cólera, e gritaria, e blasfêmia e toda a malícia sejam tiradas dentre vós, antes sede uns para com os outros benignos, misericordiosos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo. Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados; e andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 4.31-5.2). “Aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou” (1Jo 2.6). Isaías observa que os caminhos de Deus não são nossos caminhos precisamente porque Deus mostrará misericórdia e abundantemente perdoará (Is 55.6, 7). Deus ensina Jeremias na casa do oleiro que ele adapta seu comportamento em relação ao seu povo de acordo com sua resposta a ele (Jr 18.5-11). Deus não tem prazer na morte do ímpio (Ez 33.11). Se Deus nos chama a modelar nossa ética pela dele e então não segue suas próprias regras, como podemos confiar nele em qualquer coisa?



O Deus do Calvinismo tem uma vontade secreta que contradiz sua vontade revelada. Ele comanda uma coisa e então faz o oposto. Ele pratica engano em seu anúncio da mensagem do evangelho. Ele deriva igual glória da redenção dos eleitos e da condenação dos reprovados. O Deus de Calvino até mesmo gosta de divertir-se com os reprovados antes de condená-los.



Em contraste, os anabatistas acreditam que o caráter e o plano de Deus são revelados mais plenamente em seu filho Jesus Cristo. Como o anabatista do século dezesseis Pilgram Marpeck observa: “Deus é Deus de ordem e não de desordem, e ele firmemente uniu sua própria onipotência à sua vontade e ordem. Não é como os predestinacionistas e outros dizem, sem qualquer discriminação, que Deus tem o direito a toda salvação e condenação. Ele tem, certamente, mas não fora de sua ordem e vontade, a qual seu poder é subordinado.... [Ninguém deve] pregar o poder e a onipotência de Deus fora da ordem da Palavra de Deus.... Pois o próprio Deus é a ordem mais sábia em e pela sua Palavra, isto é, Jesus Cristo, seu unigênito desde a eternidade.”[16] A questão não é o que Deus pode fazer ou o que Deus tem o direito de fazer, mas o que ele escolheu fazer. Como Marpeck afirma, Deus escolheu revelar seu plano de salvação em Jesus Cristo. O Deus revelado em Cristo agiu em amor em relação ao mundo para oferecer nova vida a todo aquele que crer (Jo 3.16). Que capitão você preferiria que tivesse no governo do universo?

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Spurgeon

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